Literatura Sobre duas vidas

Nem sempre uma partida significa adeus, ainda que os envolvidos assim acreditem. O desenrolar da vida, não raro, revela caminhos mais sinuosos do que se supõe. Foi o que aconteceu, ao longo de vários anos, entre o mestre Luiz Gonzaga e seu filho, Gonzaguinha, cujas idas e vindas da relação inspiraram o livro "Gonzagão e Gonzaguinha - encontros e desencontros", dos jornalistas e escritores Jonas Vieira (cearense) e Simon Khoury (paulista).

O lançamento em Fortaleza acontece hoje, na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, com apoio da TV Diário e dentro da programação de greve da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.
O livro é mais um dos produtos que marcam o centenário de Luiz Gonzaga, a ser celebrado em 13 de dezembro deste ano. No País, já foram lançados ou estão agendados shows, discos e exposições, entre outros projetos culturais.
Como bem sugere o título, "Encontros e desencontros" refaz a trajetória afetiva do Rei do Baião e seu filho de criação, Gonzaguinha, marcada por desentendimentos e retornos, em um ciclo ao longo da vida dos dois artistas.

Início
O encontro primordial aconteceu em setembro de 1945, data de nascimento de Gonzaguinha, supostamente filho da cantora Odaléia Guedes (Léa) com o maestro Nélson Martins dos Santos (Nelsinho). Segundo os autores, os dois tiveram um caso pouco antes de Léa ir morar com Luiz Gonzaga.
Além de corista de rádio, Léa era crooner da boate Farolito, no Rio de Janeiro, onde Gonzaga também se apresentava como sanfoneiro. Em 1944, os dois se conheceram e se apaixonaram. A relação, porém, foi bastante conturbada, repleta de brigas, separações e reconciliações.
De acordo com entrevistas citadas no livro, concedidas em diferentes épocas por Zé Gonzaga e Muniz, irmãos de Luiz, e pelo próprio Nelsinho, o sanfoneiro sabia que Léa estava grávida quando os dois foram morar juntos (Chiquinha, outra irmã, chega a afirmar que Luiz teve sua esterilidade comprovada por exame médico). No entanto, os autores também mencionam um episódio em que Luiz, intrigado pela dúvida, teria chamado o maestro para tirar o assunto a limpo. Independente da trama nebulosa, fato é que o músico adotou o menino, registrando-o com seu próprio nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Junior.
Poucos meses depois de Gonzaguinha nascer, Léa e Luiz se separaram; em seguida, ela contraiu tuberculose e foi enviada a Petrópolis para tratamento, custeado pelo ex-companheiro. Sem tempo de cuidar de Gonzaguinha, Luiz entregou-o aos padrinhos, Dina e Xavier, que o criaram como filho, no Morro de São Carlos, no Rio.

Mágoa  Léa chegou a se recuperar, mas teve uma recaída e, em 1948, faleceu, deixando órfão o filho, então com dois anos e meio. A essa altura, Luiz estava casado novamente, dessa vez com a contadora Helena Neves, contratada por ele para ser sua secretária.
Com ela, o músico teve uma relação ainda mais turbulenta do que com Léa. Helena tornou-se conhecida pelo ciúme doentio e por querer controlar a vida do marido.
Sua mãe, Marieta, não aceitou que Luiz trouxesse Gonzaguinha para viver com eles. Frente à esterilidade de Gonzaga, as duas levaram para casa a menina Rosinha, mesmo contra a vontade do sanfoneiro - que a adotou "para não criar problemas", segundo relato do livro.
A partir daí ocorre um dos "desencontros" entre pai e filho. Enquanto o primeiro provia todas as necessidades financeiras do filho, sem, no entanto, oferecer-lhe o afeto da convivência, o segundo ressentia-se do abandono do pai.
Depois da morte de Marieta, Gonzaguinha chegou a morar com o pai e Helena, após se curar de uma tuberculose, aos 16 anos. Mas a situação logo se revelou insustentável.
Entre passagens por internato e a vida boêmia no morro, Gonzaguinha endireitou-se nos estudos, graças às pressões do pai, e se formou em Economia. Nesse ínterim, aprendeu a tocar violão com o padrinho Xavier. Tornou-se músico, assim como o pai.
Os estilos dos dois, porém, eram bem distintos. Gonzaga permanecia na memória do País como Rei do Baião e representante do Nordeste, enquanto o filho despontava na seara da MPB, graças às composições marcantes sobre as dores da cidade e também de protesto político-social (em plena Ditadura Militar). Tais diferenças mantiveram pai e filho afastados por um tempo, com Luiz indiferente ao sucesso e à família do filho (a primeira esposa e os netos).

Redenção  A reconciliação veio no finalzinho da década de 1970, com Gonzaguinha já consagrado. A aproximação afastou as mágoas e rendeu diversas apresentações dos dois juntos, além da turnê "Vida de Viajante", iniciada em 1980 e registrada no ano seguinte, com a gravação de um álbum ao vivo homônimo. Até hoje, o show "Vida de viajante" é recordado como o grande encontro artístico e emocional de pai e filho. A turnê também representou, no âmbito da música popular, a convergência entre o Brasil sertanejo e urbano.
Luiz Gonzaga morreu em agosto de 1989, após sofrer anos com um câncer de próstata e com a osteoporose. Gonzaguinha partiu pouco depois, em abril de 1991, após um acidente de automóvel.
Tudo isso é resgatado pelos autores de "Encontros e desencontros" em um texto simples, mas que prende o leitor pelas próprias reviravoltas da história. A primeira metade é dedicada à carreira e à vida de Gonzagão; a segunda, voltada à trajetória profissional e pessoal de Gonzaguinha.
Os autores baseiam-se em dezenas de depoimentos reunidos sobre pai e filho, além de entrevistas concedidas para o livro. Vieira e Khoury discorrem ainda sobre as principais composições dos dois artistas.
A obra é complementada com as discografias e fotos de ambos. "Encontros e desencontros" foi lançado em fevereiro deste ano, na Feira de São Cristovão, que acontece semanalmente no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, Rio de Janeiro. A maratona de lançamentos deve encerrar-se em Fortaleza, onde Luiz chegou a morar.

LIVRO Gonzagão e Gonzaguinha - encontros e desencontrosJonas Vieira e Simon Khoury
Viaman Gráfica e Editora
2012, 240 páginas
R$ 30

Mais informações Lançamento de "Gonzagão e Gonzaguinha - encontros e desencontros". Hoje, às 19 horas, no Auditório Deputado João Frederico Ferreira Gomes, na Assembleia Legislativa do Ceará (Av. Desembargador Moreira, 2307, Dionísio Torres). Contato: (85) 3277.2500
ADRIANA MARTINSREPÓRTER
  Fonte, DN

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