Salviano destina verba a hotel do qual é acionista
Oferecemos agora mais uma demonstração da liberalidade com que o deputado Salviano administra o cotão. Segundo a própria Câmara dos Deputados, ele já destinou mais de R$ 9,5 mil ao restaurante do Hotel Verdes Vales, também localizado no município cearense de Juazeiro do Norte, reduto eleitoral do parlamentar. As notas para ressarcimento representam um gasto médio de R$ 1.915 por cada almoço ou jantar.
O montante excede em muito os valores pagos, a título de despesas com alimentação, a outros estabelecimentos que receberam dinheiro da Câmara, dentro da cota de Salviano. Neste mandato, além dos gastos com alimentação no Hotel Verdes Vales, Salviano pediu o reembolso em apenas outras duas ocasiões, totalizando R$ 254. Ou seja, menos de 3% do que consumiu no local. Mas esse não é o aspecto mais intrigante da história. O que mais surpreende é que Manoel Salviano é um dos donos do hotel. Ou, para ficar com as palavras dele: “Dono, não. Sou acionista”.
Conforme as regras internas da Câmara, os deputados são impedidos de contratar empresas ou entidades das quais sejam proprietários ou detentores de qualquer participação. É o que estabelece o Ato da Mesa 43, de 2009, baixado à época pela Mesa Diretora em resposta a uma série de reportagens publicadas pelo Congresso em Foco sobre a chamada farra das passagens aéreas.
Segundo a declaração de bens (veja a íntegra) entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, em 2010, Salviano é detentor de uma “quota de capital” no valor de R$ 22.714,26 do hotel. Sempre insistindo que não é dono, mas sim acionista, ele disse ao Congresso em Foco: “Não é quota, são ações no valor de R$ 22 mil. Aquilo é uma SA [Sociedade Anônima] que foi dividida em ações pela Sudene [Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste] porque [a construção] foi financiada por ela”.
Manoel Salviano conta que nos anos 80 doou o terreno onde foi construído o hotel e por isso passou a ter direito às quotas de capital. “Mas quando a Sudene fez o financiamento, as quotas passaram a ser ações”, disse. Salviano acrescentou que a informação publicada pelo TSE na internet, aliás fornecida por ele mesmo, está errada, por falar em “quotas de capital”. “Vou até corrigir isso aí, porque são ações”. A declaração de bens entregue por Salviano nas eleições de 2010 aponta um patrimônio de R$ 6,7 milhões.
“Ofensa à moralidade”
Para o professor de Direito Público da Universidade de Brasília Mamede Said, o caso é, no mínimo, uma “ofensa à moralidade administrativa”.
“Mesmo que ele não seja sócio majoritário ou que não seja o único dono, ele tem participação na empresa”, analisa o professor. “Então ele deveria se abster de apresentar notas de estabelecimentos comerciais nos quais tem interesses particulares. O princípio da moralidade pública é aplicado a todos os agentes públicos, principalmente aos agentes políticos”, disse.
Como deputado pelo Ceará, Salviano pode usar até R$ 35,9 mil por mês para custear as despesas do mandato com o cotão.
Com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,694, Juazeiro do Norte – a cidade por onde o deputado circula de Mercedes paga pelos contribuintes – tem um IDH considerado médio. Embora não esteja entre os mais carentes do Ceará e do país, o município está longe do ideal em relação a vários indicadores sociais e ambientais. Um exemplo é a sua situação em termos de saneamento. Cerca da metade dos domicílios não tem esgoto. Terceiro maior colégio eleitoral do Ceará (com mais de 150 mil eleitores nas últimas eleições), Juazeiro é conhecida por ser a terra do Padre Cícero, o que faz dela um dos principais polos de religiosidade popular do Nordeste.
Salviano tem 72 anos, e é médico e empresário. Exerce atualmente o quarto mandato consecutivo de deputado federal. Já foi do PMDB e do PSDB, e está entre os tucanos que deixaram a oposição para se abrigar no partido criado pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que já anunciou apoio à reeleição de Dilma Rousseff.
Manoel Salviano e o governo Dilma estão em campos opostos, porém, no que se refere ao orçamento impositivo, proposta de emenda constitucional (PEC) em andamento no Congresso que obriga o Executivo a executar integralmente o texto orçamentário definido pelos parlamentares. O Palácio do Planalto faz sérias restrições à ideia, sob o argumento de que o governo não pode assumir o compromisso de fazer despesas sem ter a certeza de obter as receitas necessárias para tal. A maioria do Parlamento, no entanto, defende a proposta, apresentada como uma espécie de grito de independência do Legislativo, isto é, de afirmação da sua autonomia perante os demais poderes. Salviano disse sim à PEC do orçamento impositivo.
Até fevereiro deste ano, o deputado respondeu a inquérito no Supremo Tribunal Federal por “prática sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do Código Penal) entre janeiro de 2000 a abril de 2006”. O inquérito, de número 2.876, foi arquivado por prescrição, isto é, pela incapacidade do Judiciário de analisar os fatos – o chamado “mérito – em tempo hábil.
A Câmara já gastou mais de R$ 31 milhões em aluguéis de veículos e R$ 22,8 milhões com combustíveis e lubrificantes desde 2012. Mas o valor pode ser ainda maior, pois os deputados têm até 90 dias para prestar contas. Ou seja, valores gastos entre maio e julho deste ano ainda podem ser ressarcidos.”
Fonte, DN
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