O Sertão tem duas almas
Só quem conhece o sertão sabe os
mistérios que ele tem. Costumo dizer que o sertão tem duas almas – uma cinza e
outra verde.
Durante o verão, o
sertanejo tem uma visão acinzentada da caatinga, que como um triste véu cobre o
sertão de ponta a ponta, apenas pontilhada por algum escasso verde: um
mandacaru aqui, uma juazeiro acolá, uma oiticica ao longe... o resto, quase
tudo é morto. Até no próprio céu apenas um ou outro urubu voa fazendo curva, como
se não tivesse muito o que fazer. A paisagem é triste, e algum desavisado que
passar por ali sente pena do próprio chão, esturricado, sem vida, só poeira e
pedra.
Mas o sertão tem outra
alma, uma alma viva, verde, que encanta e emociona, até. Mas essa alma só surge
quando a chuva cai, quando o inverno chega. Poucas chuvas depois e um tapete verde
se forma sobre a terra; as folhas da jurema começam a brotar; o sabiá
refloresce; o marmeleiro e o mufumbo despontam, e tudo fica verde novamente. É aí
que se percebe que o sertão não morre, ele apenas dorme para acordar mais belo.
Os riachos cantam, as
cachoeiras roncam, as grotas murmuram, e a água espalha vida por onde passa. Os
periquitos gritam, o galo-de-campina solta o seu canto e o sabiá comanda a
sinfonia pela caatinga afora. O tejo surge nos terreiros de casa em busca de
pintos, ou ovos; a nambu canta debaixo das moitas; a siricora grita no galho da
oiticica; o caburé canta no oco; o tatu fuça na baixa... o sertão vira poesia.
Só quem conhece o
sertão sabe o quanto ele é belo! E beleza não se escreve, nem se descreve. Portanto,
caro leitor, por mais que eu tente explicar o sertão para alguém que nunca o
viu, jamais entenderá o que digo, mas se você conhece o sertão, essas palavras já
são o suficiente; não para lhe dizer o que é o sertão, pois você já o conhece,
mas para dizer o quanto, nós, sertanejos, estamos felizes, pois o inverno
chegou. E com ele a alegria.
Texto de João Rodrigues
Fonte, Blog do Riacho
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