Casal de médicos cubanos conta rotina após seis meses no sertão do Ceará
Se alguns
profissionais estão com dificuldade de adaptação no Programa Mais
Médicos (dois, inclusive, desistiram), um casal de cubanos já se sente
em casa. Eles tiveram a sorte de desembarcar em Fortaleza juntos, em agosto de 2013, e ainda atender a população da mesma cidade, Reriutaba, a 309 quilômetros de Fortaleza.
Isidro
Rosales Castro, de 49 anos, e Esperanza Anabel Dans Leon, de 48,
deixaram Cuba com a vontade de transformar a realidade do município,
através do amor pela medicina. Eles iniciaram os atendimentos em
setembro do ano passado. Enquanto Isidro trabalha no posto de saúde na
zona rural da cidade, Esperanza atende em unidade na área urbana.
Os
cubanos trabalham de segunda a sexta-feira, oito horas por dia, e
oferecem atenção a toda população, que o médico faz questão de chamar de
“nossa”. Eles realizam visitas domiciliares a grupos prioritários, como
idosos, acamados e incapacitados, de acordo com as demandas da
população e dos agentes comunitários.
Nos
momentos de descanso, o casal volta para a residência, que – segundo
Isidro – tem todas as condições garantidas pela prefeitura e pela
Secretaria de Saúde do Estado. “As atenções por parte das autoridades
locais são ótimas. Somos cinco médicos do programa, todos cubanos, e
temos condições excelentes de moradia e de trabalho”, conta.
O dia a dia dos cubanos é bastante parecido com a rotina que levavam no país de origem. Trabalham segundo o planejamento e aproveitam o fim de semana para assistir a programas de televisão e
sair para passear. “Temos muitas amizades que visitamos e nos visitam,
conhecemos bastante o Ceará e suas praias maravilhosas, fundamentalmente
Camocim”.
Calor e comida
O calor
do estado “golpeou forte” o casal, como brinca o médico. Eles tiveram de
se adaptar. O calor humano da terra ajudou. “Aqui é maravilhoso, nos
sentimos como se fôssemos cearenses de toda a vida”, diz Isidro.
O que
falta, no entanto, é Esperanza aprender a cozinhar uma verdadeira comida
típica do Ceará. Ela ainda sente dificuldade em fazer os pratos mais
admirados pelo marido, como feijoada, baião-de-dois e churrasco. “Eu faço muito pouco, mas vou aprender. Gostamos de churrasco, e eu adoro frango a parmegiana”.
O idioma
português também não foi aprendido com perfeição pelo casal. O que
importa é que médicos e pacientes se entendam, e a parceria está dando
certo. Segundo Isidro, a comunicação com a população permite uma boa
relação. “Idioma não se aprende em tão pouco tempo, mas estamos nos
compreendendo mutuamente e isso permite uma relação positiva entre
médico, equipe de saúde e paciente”, explica.
“Escravos da saúde”
No
entanto, a adaptação não foi de todo fácil. Logo que chegaram à capital,
os médicos fizeram parte do grupo agredido verbalmente e chamado de
“escravo” por profissionais cearenses, na Escola de Saúde Pública de
Fortaleza. “Fomos do grupo que, com muita dor, sofreu agressão na escola,
mas com muito amor demonstrado pelo povo e autoridades de governo e de
saúde, apagamos rapidamente esse impacto negativo”, relata Isidro.
O
acolhimento dos que realmente precisavam da presença do casal foi tão
grande que prevaleceu o amor, acima da segregação. “Fomos escravos sim,
porém escravos da saúde. Por ela, faremos qualquer sacrifício, e aqui estamos, trabalhando para este povo que já é nosso também”.
Uma das
renúncias foi ter de ficar longe da família, durante três anos.
Realmente, contar com a presença do marido no trabalho, estando longe de
Cuba e dos filhos, é um privilégio e uma vantagem para Esperanza. Os
problemas são compartilhados, a rotina da vida se torna mais fácil, mas a
saudade ainda bate.
“Nossos
filhos estão com a minha mãe. Sinto muita falta”, admite a médica. “A
saudade da família, dos filhos, e o amor à terra que tanto queremos bem,
a nossa Cuba, afeta emocionalmente”, completa Isidro, deixando claro
que falta a presença dos entes queridos para se sentir completamente em
casa.
A saudade ainda vai permanecer por dois anos e seis meses,
que é o tempo que os médicos pretendem ficar na cidade que tanto
gostam. Caso seja preciso permanecer no Brasil, o casal avaliará a
solicitação. Afinal, os profissionais já moraram dois anos na Guatemala,
de 2000 a 2002, e seis anos na Venezuela, de 2003 a 2009. “Levamos
muito tempo oferecendo ajuda internacional a outros povos do mundo e
achamos que já é hora de ficar perto da nossa família”, avalia o médico.
Sem obrigação
No Mais
Médicos, o casal está em mais uma missão. Foram despertados para o
programa a partir da imprensa. Sentiram necessidade de ajudar a garantir
a cobertura médica na atenção básica dos municípios que não contavam
com isso. “Geralmente, os médicos cubanos têm sentimento de
solidariedade, de ajuda desinteressada a outros povos. Muitos de nossos
profissionais já estiveram na África, na Ásia, nos países mais pobres da
América Latina”, explica Isidro.
Talvez
esse seja o motivo de o sistema de pagamento do programa não incomodar o
casal. Eles foram contratados por um acordo entre Cuba e a Organização
Pan-americana da Saúde, e não recebem os R$ 10 mil integrais. “Ninguém está aqui obrigado.
O dinheiro é necessário, porém não define a vida nem a dignidade das
pessoas que trabalham mais por amor que por benefícios pessoais”,
garante.
Mais Médicos
Os
profissionais recebem bolsa de formação e ajuda de custo pago pelo
Ministério da Saúde. No Ceará, 154 municípios contam com médicos do
programa. As cidades ficam responsáveis por garantir alimentação e
moradia. Conforme previsto no programa Mais Médicos, os médicos são
selecionados para atuar durante três anos. Nesse período, os
profissionais formados no exterior terão registro profissional emitido
pelo Ministério da Saúde, que lhes dará o direito de atuar
exclusivamente na atenção básica.
Fonte: Tribuna do Ceará
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