Debate sobre maioridade penal revela necessidade de incluir ECA
O acirrado debate entre defensores e opositores da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos vem tomando conta do País nas últimas semanas. Depois de mais de 20 anos na geladeira, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 171/93 voltou a andar no Congresso Nacional, em março, com a aprovação de sua admissibilidade pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Afora a questão constitucional, as discussões sobre o tema estão centradas em pelos menos dois pontos: os que apoiam o encarceramento precoce de jovens como uma forma prática de reduzir a criminalidade no Brasil e aqueles que defendem a efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de políticas públicas para minorar a participação de adolescentes em casos de violência.
Uma comissão especial debaterá o tema por até dois meses. Se aprovada, a matéria segue para o Plenário da Câmara. Depois, a proposta precisa passar pela CCJ do Senado e por mais duas votações no plenário.
Hoje quem tem menos de 18 anos não pode ser preso. A punição máxima é a internação, prevista no ECA. A PEC prevê justamente que menores possam ir para a cadeia comum.
Mesmo que os deputados tenham aprovado a matéria, o advogado Expedito Dantas, da CHC Advocacia, avalia que a proposta de emenda é inconstitucional. "A própria Constituição dispõe que não pode ser objeto de apreciação assuntos que comprometam direitos fundamentais como é caso da maioridade penal", explicou Dantas, que estuda a área de segurança pública.
Os deputados federais Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE) e Cabo Sabino (PR-CE) são defensores da PEC, a qual acreditam que vai modificar o sistema prisional do brasileiro. Os parlamentares argumentam, ainda, que o Estatuto da Criança e do Adolescente precisa ser reformulado e cobram responsabilidade do Estado na garantia de direitos aos adolescentes.
"Nosso posicionamento é favorável até porque no passado nós delegamos constitucionalmente que o jovem pode exercer no processo democrático brasileiro o direito de votar. Ou seja, o jovem sabe discernir em relação ao que é bom ou não é. Ele tem que ser corresponsável por seus atos", defende Gomes de Matos.
O tucano também relata a omissão do Executivo em fazer cumprir o que está previsto em leis como o Estatuto da Juventude. "Se tivesse cumprido o que foi aprovado, os indicadores sociais estariam bem melhores. O caminho é estabelecer prioridades nas ações que o Congresso aprovou", disse o deputado que aponta, ainda, a necessidade de atualizar leis como o ECA, o qual, segundo ele, não atende ao perfil da sociedade atual.
Vozes dissonantes
Integrante da chamada "bancada da bala" da Câmara, Cabo Sabino apoia a proposta de emenda, mas é reticente quanto ao fato de levar adolescentes ao atual sistema carcerário. "Não adianta pegar um menor e colocar na prisão. O Estado tem de fazer todas as estratégias no sentido de preparar o jovem para viver em sociedade. Se não mudar o sistema prisional, também não vai adiantar reduzir a maioridade. Eu não acredito nessa ressocialização sem educação e trabalho. Da maneira que está não pode ficar", disse o deputado, segundo o qual o "ECA fala de uma maneira muito ampla".
Especialistas contrários à proposta de emenda criticam os congressistas por não estarem atentos ao fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente já dispor de medidas para regulamentar a responsabilidade dos adolescentes que cometem crime, com ações socioeducativas que buscam reintegrá-los à sociedade. O que falta, de acordo com essas vozes, é o interesse por parte dos parlamentares federais de cobrar do Executivo o cumprimento efetivo da lei em vez de se reduzir direitos.
"O Estatuto é um marco legal que serve de referência para vários países, mas não tem sua efetividade sendo cumprida. Ele não é de fato aplicado e é bastante colocado como uma lei que protege e gera impunidade, mas nem mesmo o sistema socioeducativo foi de fato efetivado. Os parlamentares falam em reduzir os direitos e encarcerar os adolescentes como se eles fossem culpados pela violência, quando na prática o sistema tem sido muito cruel", argumenta a assessora jurídica e coordenadora colegiada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente no Ceará (Cedeca-CE), Talita Maciel.
O advogado Expedito Dantas concorda que a redução da maioridade penal não resolve o problema da criminalidade envolvendo menores, pois, segundo ele, o objetivo da proposta é retirar do convívio social jovens que praticam delitos. Para ele, se fosse concretamente aplicado, o ECA já cumpriria esse papel.
"O estatuto tem medidas de reparação de danos e até de privação de liberdade. O adolescente pode ser afastado do convívio social, mas, ao mesmo tempo, vai estar sendo preparado para ser ressocializado. Com a atual precariedade do sistema carcerário, reduzir a maioridade iria acrescer esse número de jovens que estão sendo jogados lá dentro", afirmou.
Apoio popular
Uma pesquisa realizada pela Agência Câmara revelou que 77% dos deputados da comissão especial apoiam a aprovação da proposta. O deputado Vitor Valim (PMDB) é o único cearense a integrar o colegiado. Em acordo com parlamentares, 87% da população é favor da redução da maioridade penal, segundo levantamento do Datafolha divulgado na última quarta (15).
O professor de Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), Luiz Fábio Paiva, avalia que esse apoio ostensivo da população à mudança da idade penal se justifica, em parte, pelo clima de terror criado pela "irresponsabilidade de alguns políticos" que veem no discurso da violência e do medo um forte apelo para alcançar seus interesses eleitorais.
Para Paiva, isso também está aliado ao desgaste do sistema de medidas socioeducativas e ao trabalho de facções criminosas que passaram a se valer da "incompetência do sistema protetivo do Estado para aliciar menores", criando a falsa ideia de que adolescentes são os "verdadeiros" protagonistas de práticas que envolvem relações muito mais densas e complexas.
"Vivemos em uma sociedade que experimenta índices significativos de homicídio e outros tipos de violência que afligem a população. Em contrapartida, os governos estaduais se mostram ineficientes em controlar o crime nas cidades brasileiras. Em vez de pensar o que está errado no modelo de gestão da segurança pública, o momento atual é de uma busca desenfreada por razões para essa violência. Escolheram jovens de 16 e 17 como bodes expiatórios dos problemas de violência urbana, justamente porque isso é mais fácil", analisou o especialista.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Proposta é falsa solução
De tempos em tempos o debate sobre a redução da maioridade penal ressurge, como se estivéssemos diante de uma nova proposta que vai resolver, de uma vez por todas, o problema da criminalidade no País. Desta vez, a discussão toma rumos mais fortes.
A verdade é que essa proposta gera a falsa solução de um problema que a lei não resolverá. O legislador brasileiro já alterou o código penal mais de 100 vezes e não erradicou os crimes no Brasil.
Também não devemos deixar de falar do efeito cadeia que, certamente, será deixado pela redução da maioridade penal. Essa reforma gerará de imediato aumento do encarceramento. O sistema prisional já está com sua capacidade estourada. No Estado do Ceará, por exemplo, a situação é de emergência, pois temos 70% de detentos a mais que a capacidade das nossas penitenciárias deveria ter.
Precariedade que gera novas e necessárias indagações. Será que esse sistema está ressocializando? Devemos lembrar que todos os detentos, mais cedo ou mais tarde, devem retornar ao convívio social, daí a importância de investimento na ressocialização do preso, em prol dele enquanto pessoa e sociedade.
Ainda em relação ao tema, é importante destacar que o Brasil está em consonância com mais de 90% dos países do mundo, diferenciando responsabilidade penal juvenil a partir 12 anos.
No nosso caso, isso é estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, para quem tem a partir de 18 anos, por meio do Código Penal. Antes dos 12 anos a pessoa é criança e está sujeita apenas a medidas de proteção previstas no ECA, tendo em vista a sua vulnerabilidade. Assim, o Brasil está caminhando na linha da maioria dos países.
O que podemos questionar de forma jurídica e viável é se o limite máximo de internação de três anos para atos infracionais praticados por adolescente é razoável. Essa é a discussão que deve ser travada, pois é plenamente possível a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente no tocante à duração das medidas socioeducativas.
De fato, ainda temos muito a discutir e realizar. Alterar a maioridade penal não é a solução. Devemos questionar e cobrar dos nossos governantes onde estão os investimentos em educação e no combate às drogas no Brasil, pois é reduzindo as desigualdades sociais e investindo em ensino que os nossos jovens terão um futuro em que acreditar.
Ilton Moreira
Fonte, DN
Advogado e professor de Direito Penal e Processual
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