Lava Jato: entenda as suspeitas contra José Dirceu
As delações do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, apontado como coordenador do cartel de empreiteiras,
e do operador de propina da Engevix, Milton Pascowitch, acredita a
força-tarefa que investiga os desvios da Petrobras, fechariam ainda mais
o cerco ao Partido dos Trabalhadores e selariam de vez o destino do
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
Em seus depoimentos, Pessoa colocou em dúvida as doações efetuadas à
campanha de Dilma Rousseff e arrastou nomes próximos à presidenta para o
centro do escândalo. As acusações ainda terão de ser provadas. Os
envolvidos negam irregularidades. Em entrevista a CartaCapital,
o ministro da Secretaria de Comunicação, Edinho Silva, tesoureiro da
campanha à reeleição, rechaça a acusação de achaque ao empreiteiro. “As doações foram legais.”
A situação de Dirceu, segundo os
investigadores, parece mais complicada. O depoimento de Pascowitch,
unido aos documentos levantados nos últimos meses, levaram a
força-tarefa a formar a convicção de que existem provas suficientes para
incriminar o ex-ministro.
Pascowitch teria sido claro em sua delação. Segundo ele, os pagamentos
efetuados pela Jamp, sua empresa, à JD Consultoria, de Dirceu, vieram
das propinas cobradas na estatal.
Com medo da perspectiva de prisão, Dirceu
ingressou em 2 de julho com um pedido de habeas corpus. Há motivo.
Embora não de forma oficial, os investigadores da Lava Jato
têm feito consulta sobre a situação do ex-ministro. Querem saber se ele
poderia ser novamente encarcerado pelo fato de, no momento, cumprir em
regime aberto a sentença do chamado mensalão.
Para a força-tarefa, as poucas dúvidas
restantes da participação de Dirceu no esquema da Petrobras
desapareceram após os depoimentos de Pascowitch. Como antecipou CartaCapital na reportagem sobre a fase Juízo Final da Lava Jato,
em novembro de 2014, a possibilidade do ex-ministro de se tornar um dos
alvos era patente. Ele está na mira dos investigadores desde a
descoberta dos contratos entre sua consultoria e a Camargo Corrêa. A
partir daí, a força-tarefa mapeou, com base em quebras de sigilo, os 29
milhões de reais movimentados pela JD, em especial o
montante pago por empreiteiras. O caso da Engevix chamou atenção. Além
de receber 1,1 milhão de reais da construtora, Dirceu obteve outro 1,4
milhão da Jamp, empresa de Pascowitch, cujas movimentações foram
descobertas na fase apelidada de My Way.
Enquanto Dirceu e Pascowitch negavam
qualquer tipo de relação ilícita e afirmavam tratar-se de contratos
referentes a serviços de prospecção de negócios no exterior prestados à
construtora Engevix, as investigações prosseguiam. Ao longo da apuração,
outras ligações entre os dois foram reveladas, em primeiro lugar o fato
de Pascowitch ter providenciado o pagamento de parte do imóvel-sede da
JD, e de outro, em nome da filha do ex-ministro. Apesar dos contratos
sem comprovação de prestação do serviço e dos pagamentos milionários,
faltava, porém, confirmar a origem dos recursos enviados pela Jamp e por
outras empresas do operador.
Homologada na segunda-feira 29, a delação de Pascowitch
vai além da relação com Dirceu. Ele detalha sua atuação em contratos
bilionários fechados com a Engevix, explica sua ligação com o ex-diretor
de Serviços, Renato Duque, e esclarece como seu patrimônio cresceu 50
vezes, entre 2003 e 2013, de 574 mil para cerca de 28 milhões reais.
Duque, apontado como representante do PT na estatal e no esquema, foi
preso na sétima fase da operação, solto e novamente detido na décima
etapa. Na última prisão, a Polícia Federal encontrou em sua casa um
cômodo secreto cuja finalidade era armazenar documentos e obras de arte.
Nos documentos, também revelados com exclusividade por CartaCapital,
figuram contratos entre a Jamp e a consultoria D3TM, de Duque, recibos
de obras de arte pagas pelo operador e um contrato de compra de imóveis.
No tal documento sobre a aquisição de três apartamentos na Barra da
Tijuca, no Rio, uma cláusula se destacava. No item 9 do acordo firmado
entre Duque e José Mauro dos Santos Fonseca, proprietário da Malta
Incorporação de Imóveis, lê-se a seguinte instrução a respeito do
pagamento: “Como o primeiro transator, para atender compromissos
vinculados à construção das unidades, por intermédio de sua empresa,
Malta Incorporadora, obteve da Jamp Engenheiros Associados empréstimos
no valor de 730 mil reais, cujo pagamento se encontra pendente, neste
ato e de forma expressa o ‘primeiro pagador’ autoriza o ‘segundo
pagador’ a pagar diretamente o referido empréstimo”.
A mesma tática teria se repetido na
aquisição dos quadros encontrados no cômodo secreto. Segundo a Polícia
Federal, os documentos provam que ao menos 3 das 131 obras de arte na
posse de Duque foram pagas por Pascowitch. À época da segunda prisão do
ex-diretor da Petrobras, os investigadores apenas desconfiavam de
possíveis irregularidades. Hoje, com base na delação, dizem ter certeza
de que todas as transações, da mesma forma que
os pagamentos efetuados para Dirceu, se originaram do dinheiro desviado
da Petrobras. Nos depoimentos prestados, o operador da Engevix ratificou
a tese. Qualificou como propina os repasses feitos
a Duque e Dirceu, além de relacionar todas as obras da estatal das
quais o dinheiro foi subtraído. Pascowitch também teria confirmado a
ascendência de Dirceu na nomeação de Duque para uma das diretorias da
companhia.
O advogado de
Duque não atendeu aos pedidos de informação da revista. Quando da
apreensão dos documentos, Alexandre Lopes afirmou que os delatores
“falsearam” a verdade e que todas as consultorias da D3TM eram legais e
realizadas após a saída de seu cliente da Petrobras. O defensor negou
ainda a possibilidade de o ex-diretor ter movimentado dinheiro fora do
País.
Em nota publicada no blog de Dirceu, o
advogado Roberto Podval lista quatro pontos para rebater as afirmações
de Pascowitch. Segundo ele, o ex-ministro não teve qualquer influência
na indicação de Duque e a relação da Jamp com a JD seria resultado de
uma consultoria prestada no Peru. A informação, salienta a nota, é
corroborada pelo presidente do Conselho da Engevix, Cristiano Kok, e
pelo ex-vice-presidente, Gerson Almada, preso na fase Juízo Final da Lava Jato.
Embora citado na nota como delator, Almada não assinou um acordo com a
Justiça Federal, mas confirmou serem os pagamentos da Engevix a Dirceu
referentes ao “lobby” exercido pelo ex-ministro.
Para seus defensores, o pedido de habeas
corpus apresentado na quinta 2 tem como objetivo evitar um
“constrangimento ilegal”. Nos próximos dias, a eficácia da medida será
testada no Paraná, onde se concentra o processo. Dirceu tem, porém,
outras fontes de dor de cabeça. A UTC, diz Pessoa, também teria pagado
3,2 milhões de reais à JD. Propina, segundo o delator.
Nesse caso, Dirceu não estaria sozinho.
Além de doações à campanha de Dilma, o dono da UTC teria confirmado
pagamentos para um grupo variado de políticos de diferentes partidos.
Estariam na lista Fernando Collor e Gim Argello. Do PT, o ministro
Aloisio Mercadante e José de Filippi. Da oposição, o senador tucano
Aloysio Nunes Ferreira, vice de Aécio Neves na última disputa
presidencial, e Júlio Delgado, do PSB, braço direito do falecido Eduardo
Campos.
Apontado como prova da capacidade do
cartel de empreiteiras de suplantar diferenças partidárias, a delação de
Pessoa une-se à mais nova fase da operação, realizada na quinta-feira 2 para levar à
cadeia Jorge Zelada, ex-diretor da Área Internacional da Petrobras.
Indicado pelo PMDB, Zelada pode complicar ainda mais a vida de Renan
Calheiros e Eduardo Cunha, investigados pela Procuradoria-Geral da
República. Denominada Conexão Mônaco, a nova fase apura o pagamento de
propina para o ex-diretor em contratos de navios-sondas. Em seu
despacho, o juiz Sérgio Moro citou uma auditoria da Petrobras que
identificou “uma série de irregularidades, parte delas imputável ao
então diretor da área Internacional”. Os desvios vão do superfaturamento
à assinatura de contratos sem autorização da diretoria executiva.
Para prender
Zelada, os investigadores da força-tarefa, assim como nos outros casos,
seguiram o caminho do dinheiro e mapearam as transações do executivo no
exterior. Remessas suspeitas para a China e a Suíça serviram de base
para o pedido de prisão do Ministério Público. “Observando os extratos
das contas, há também registro de transferências a débito vultosas para
outras contas na China e outras contas na Suíça, aparentemente esta
controlada por sócio no Brasil do investigado”, destacou o juiz em sua
decisão. Além das movimentações de quase 9 milhões de dólares, um acordo
de cooperação com o Principado de Mônaco revelou que o ex-diretor
manteve cerca de 11 milhões de euros escondidos naquele país.
Em nota, Eduardo Moraes, advogado de
Zelada, afirmou não ter tido acesso ao teor da decisão que autorizou a
prisão, mas antecipou “com toda segurança a absoluta desnecessidade” da
medida. Segundo o defensor, a “sua liberdade não representa, como nunca
representou, qualquer risco à investigação ou à ordem pública”. Moraes
ainda atacou o “método” das autoridades da Lava Jato de prender para
apurar e processar ao “subverter a Constituição Federal”.
*Reportagem publicada originalmente na edição 857 de CartaCapital, com o título "José Dirceu, o eterno"
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