Quando a liberdade de expressão na internet vira crime
O Brasil é um dos líderes mundiais em número de usuários no Facebook, Twitter e YouTube, e o comportamento das pessoas nessas redes sociais
nem sempre é pacífico. Segundo especialistas em direito digital,
discussões acaloradas são perfeitamente normais, mas o mundo virtual
também tem suas leis, e elas são bem concretas.
"Não podemos confundir liberdade de
expressão nas redes sociais com irresponsabilidade, senão torna-se abuso
de direito", alerta a advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em
direito digital. "O que mais prejudica a liberdade de todos é o abuso de
alguns, a ofensa covarde e anônima, isso não é democracia."
O cyberbullying – ofensa, discriminação
ou ameaça digital – leva a indenizações que variam de 10 e 30 mil reais.
Se o ofensor for menor de idade, são aplicadas medidas socioeducativas
com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Quem compartilha calúnias e mensagens de
ódio nas redes sociais ou re-encaminha vídeos íntimos no Whatsapp, por
exemplo, também pode estar sujeito a punição.
"Quando alguém ajuda a disseminar um
conteúdo ilegal, pode ser considerado um colaborador. E também pode
responder na medida da sua participação. Já a curtida no Facebook pode
não representar um ilícito em si, mas, se o comportamento da pessoa for
monitorado, evidenciando que ela curte tudo o que é ilegal, é possível
se chegar a uma responsabilização", explica o advogado Renato Opice
Blum, coordenador do curso de Direito Digital do Insper.
Os chamados crimes contra honra na
internet – que envolvem ameaça, calúnia, difamação, injúria e falsa
identidade – têm gerado cada vez mais processos judiciais. Um
levantamento divulgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) lista 65
julgamentos recentes que resultaram em pagamento de indenizações,
retirada de páginas do ar, responsabilização de agressores e outras
condenações em favor das vítimas.
CPI dos Crimes Cibernéticos
Os excessos nas redes sociais viraram
tema político com a CPI dos Crimes Cibernéticos. Nesta semana, o
fundador do movimento Revoltados On Line, Marcello Reis, depôs na CPI
sobre declarações racistas e xenófobas que teriam sido divulgadas nas
redes sociais pelo grupo que pede o impeachment da presidente Dilma
Rousseff. A CPI ouviu também o publicitário Jeferson Monteiro, criador
do perfil Dilma Bolada.
A sessão realizada na terça-feira (27/10)
terminou com um protesto anti-PT, e a comissão instalada em agosto foi
criticada por se tornar "palanque" de grupos antigoverno. Mas os
especialistas ouvidos pela DW Brasil defendem que é preciso superar a
disputa política. O principal papel da CPI deve ser propor leis que
preencham as lacunas legais para o combate a crimes na internet.
"É preciso leis para atualizar certos
comportamentos, como o agravamento de pena para quem pratica
cyberbullying, ampliação do tempo de guarda dos registros para
identificação de criminosos e o aumento da responsabilização de quem
hospeda conteúdos ilegais", observa Blum.
Revista e prisão digitais
Na opinião de Peck, a falta de educação e
a impunidade contribuem para os excessos na internet. "Sem educação em
ética e leis, corremos o risco de a liberdade de expressão e o anonimato
digital se tornarem verdadeiros entraves na evolução da sociedade
digital, pois torna o ambiente da internet selvagem e inseguro",
observa.
Os crimes contra honra na internet são combatidos
com leis já existentes, como a própria Constituição, o Código Civil e o
Código Penal. Já a Lei do Marco Civil da Internet acabou justamente por
contribuir para o aumento dos crimes digitais, afirma Peck. Segundo ela,
o texto dificulta as investigações por exigir o despacho de ordens
judiciais. "Isso elimina o 'flagrante online', essencial para combater
crimes como cyberterrorismo, pornografia infantil e tráfico de
entorpecentes", diz.
"Precisamos estabelecer o procedimento de
'revista digital' para verificar dispositivos como celulares e tablets
de indivíduos suspeitos no momento da abordagem policial, visto que a
evidência do crime não estará anotada num papel no bolso, mas no
Whatsapp, por exemplo", explica. O método já é adotado por países como
Estados Unidos e Inglaterra.
Agravamento das penas
A punição do criminoso digital também
deve ser aprimorada, com a aplicação do "encarceramento digital". "Não é
só prender numa cela, pois o bandido analógico tradicional (versão 1.0)
vai aprender com o bandido da web (versão 2.0) e vamos formar nas
cadeias em pouco tempo o 'bandido 3.0'", afirma Peck.
Ela explica que ofensas digitais
"percorrem o mundo em poucos minutos" e o dano é contínuo, "pois o
conteúdo se perpetua na web". "Quem é vítima deste tipo de crime está
condenado a conviver com a exposição o resto da vida, o que é uma pena
muito maior do que a aplicada ao infrator", que em casos de injúria,
difamação e calúnia, recebe pena de prisão de um mês a dois anos, muitas
vezes convertida em pagamento de cestas básicas.
Por isso, a advogada defende o
agravamento das penas e aumento das indenizações às vítimas. "Aí sim
vamos construir uma sociedade digital mais justa e livre. Senão hoje a
liberdade fica garantida apenas ao criminoso. Ficamos os demais
encarcerados em redomas digitais com medo, e a marginalidade cresce na
web."
Fonte, Carta Capital
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