Exibidas em vídeos, decapitações viram demonstração de força de grupos criminosos
RIO — As imagens das decapitações na rebelião em Manaus que chocaram o
país não são as primeiras do tipo na disputa entre facções criminosas
brasileiras. A guerra deflagrada entre grupos de traficantes, em
especial o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV),
repete o ato de degolar inimigos dentro e fora de presídios. A prática
não é nova, mas passou a se repetir com frequência nos últimos meses
depois que criminosos começaram a gravar e divulgar vídeos do momento da
morte dos inimigos em aplicativos de mensagens e redes sociais.
Para
especialistas em segurança pública ouvidos pelo GLOBO, a decapitação
extrapola o objetivo de eliminar inimigos. Elas são uma demonstração de
força e uma forma de garantir a propagação da mensagem do grupo
criminoso. Analistas comparam a proliferação desses vídeos no Brasil com
a estratégia de expansão do Estado Islâmico no Oriente Médio.
— No contexto da internet, os vídeos têm potencial de divulgação instantâneo. Alguns grupos conseguem, assim, ampliar a capacidade de propagação de suas mensagens mesmo que a imprensa não dê atenção. E eles têm um propósito, que é o de afirmação de força e poder. A decapitação produz resultados também em termos de dominação e tem efeito de demonstração, porque mais pessoas podem aderir (à facção) e usar essas práticas dentro do sistema penitenciário. Ajuda a produzir a identidade do grupo — analisa o sociólogo Rodrigo de Azevedo, da PUC-RS, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
As decapitações, que remetem aos tempos de Lampião e Maria Bonita, mortos e decapitados no sertão nordestino, também se repetem na guerra dos cartéis do narcotráfico no México. Cenas de extrema violência têm sido comuns naquele país. Centenas de mortes cruéis, como a decapitação de cinco pessoas às vésperas da eleição de 2012, foram divulgadas em vídeos. Seis pessoas foram degoladas no último Natal.
O sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que as mortes brutais em rebeliões também estão relacionadas a um contexto religioso:
— Sabemos como as crenças atravessam o mundo do crime. Tudo tem significado. Na Idade Média, existia a prática de furar os olhos para não deixar o indivíduo de ver a luz no outro mundo, perdendo direito à eternidade. Hoje, a decapitação é como retirar a memória. É uma extinção total do indivíduo. Essas construções coletivas simbólicas são movidas por impulsos e crenças. Não sei até que ponto são racionais.
EXIBIÇÃO DA CRUELDADE
Ao menos 11 estados brasileiros registraram decapitações desde a rebelião no complexo penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, em 2013, na qual presos filmaram a morte de rivais. Enquanto comemoravam a ação de crueldade, os prisioneiros deram várias facadas no corpo das vítimas.
Em dezembro, no Ceará, um vídeo que circula no WhatsApp mostra um jovem, ainda vivo e com as mãos amarradas para trás, tendo a cabeça arrancada com um facão. No meio de um matagal, depois de cortar a garganta do jovem, os executores dão vários golpes com o facão até separar a cabeça do corpo por completo. Depois, os braços e pernas dele também são cortadas.
No vídeo, de 2 minutos e 23 segundos, um dos criminosos afirma que o
ato era uma vingança pela morte de um comparsa que havia sido decapitado
dias antes. Ele levanta a cabeça da vítima pelos cabelos e a exibe para
a câmera.
“Aqui é B13 e PCC. Vieram do Rio de Janeiro para cá, é isso aqui. Assim que nós faz. Nós mata e desossa. Só quero sangue do CV”, diz o criminoso.
Meses antes, em outubro, as disputas entre PCC e CV já haviam provocado violência em presídios de Rondônia, Roraima e Ceará.
Em Roraima, houve ao menos quatro decapitações. Na época, um vídeo na internet mostrava presos chutando uma cabeça, como se estivessem jogando futebol, no pátio de um presídio. Os governos dos três estados, no entanto, negaram que as cenas ocorreram em suas penitenciárias.
No Rio, fontes policiais afirmam que a prática tem se repetido sobretudo entre integrantes do tráfico. Muitas vezes, as imagens são gravadas e exibidas depois, como demonstração de força da facção. Segundo as mesmas fontes, no entanto, o ato de pôr fogo nos corpos, conhecida como micro-ondas, continua sendo a mais comum.
As imagens de decapitações, porém, se espalham pelo estado. Em junho do ano passado, o jovem Rômulo Valiengo Garcia, de 25 anos, estava desaparecido quando o pai dele recebeu no WhatsApp um vídeo com imagens chocantes. Era o filho sendo torturado, decapitado e esquartejado, supostamente por traficante da favela do Rola, em Santa Cruz, Zona Oeste da capital.
O rapaz era morador de outra comunidade, o Cesarão, então dominada por milicianos. A família supôs que ele poderia ter sido morto porque os traficantes encontraram no celular dele fotos do rapaz em festas promovidas pelos paramilitares na região.
NO RIO, PREOCUPAÇÃO EM MATAR
Um mês depois, outro vídeo mostrou um suposto miliciano da Carobinha, em Campo Grande, também na Zona Oeste, sendo torturado e decapitado por traficantes. Antes de ser morto, as imagens exibiram o homem ainda vivo, obrigado a falar para a câmera com uma chupeta na boca.
“Não tenta vir com polícia no bagulho, não”, afirma um dos traficantes.
Nos presídios fluminenses, as decapitações acontecem desde 2003, segundo o coordenador do núcleo do sistema penitenciário da Defensoria Pública do Rio, Marlon Barcellos. No entanto, são diferentes das cenas de Manaus:
— A morte sempre é violenta, porque são os instrumentos que os presos têm. Porém, não são tão violentas a ponto de tentar transformar a morte num instrumento simbólico. Normalmente, se preocupa em matar, não em enviar mensagem.
— No contexto da internet, os vídeos têm potencial de divulgação instantâneo. Alguns grupos conseguem, assim, ampliar a capacidade de propagação de suas mensagens mesmo que a imprensa não dê atenção. E eles têm um propósito, que é o de afirmação de força e poder. A decapitação produz resultados também em termos de dominação e tem efeito de demonstração, porque mais pessoas podem aderir (à facção) e usar essas práticas dentro do sistema penitenciário. Ajuda a produzir a identidade do grupo — analisa o sociólogo Rodrigo de Azevedo, da PUC-RS, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
As decapitações, que remetem aos tempos de Lampião e Maria Bonita, mortos e decapitados no sertão nordestino, também se repetem na guerra dos cartéis do narcotráfico no México. Cenas de extrema violência têm sido comuns naquele país. Centenas de mortes cruéis, como a decapitação de cinco pessoas às vésperas da eleição de 2012, foram divulgadas em vídeos. Seis pessoas foram degoladas no último Natal.
O sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que as mortes brutais em rebeliões também estão relacionadas a um contexto religioso:
— Sabemos como as crenças atravessam o mundo do crime. Tudo tem significado. Na Idade Média, existia a prática de furar os olhos para não deixar o indivíduo de ver a luz no outro mundo, perdendo direito à eternidade. Hoje, a decapitação é como retirar a memória. É uma extinção total do indivíduo. Essas construções coletivas simbólicas são movidas por impulsos e crenças. Não sei até que ponto são racionais.
Ao menos 11 estados brasileiros registraram decapitações desde a rebelião no complexo penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, em 2013, na qual presos filmaram a morte de rivais. Enquanto comemoravam a ação de crueldade, os prisioneiros deram várias facadas no corpo das vítimas.
Em dezembro, no Ceará, um vídeo que circula no WhatsApp mostra um jovem, ainda vivo e com as mãos amarradas para trás, tendo a cabeça arrancada com um facão. No meio de um matagal, depois de cortar a garganta do jovem, os executores dão vários golpes com o facão até separar a cabeça do corpo por completo. Depois, os braços e pernas dele também são cortadas.
“Aqui é B13 e PCC. Vieram do Rio de Janeiro para cá, é isso aqui. Assim que nós faz. Nós mata e desossa. Só quero sangue do CV”, diz o criminoso.
Meses antes, em outubro, as disputas entre PCC e CV já haviam provocado violência em presídios de Rondônia, Roraima e Ceará.
Em Roraima, houve ao menos quatro decapitações. Na época, um vídeo na internet mostrava presos chutando uma cabeça, como se estivessem jogando futebol, no pátio de um presídio. Os governos dos três estados, no entanto, negaram que as cenas ocorreram em suas penitenciárias.
No Rio, fontes policiais afirmam que a prática tem se repetido sobretudo entre integrantes do tráfico. Muitas vezes, as imagens são gravadas e exibidas depois, como demonstração de força da facção. Segundo as mesmas fontes, no entanto, o ato de pôr fogo nos corpos, conhecida como micro-ondas, continua sendo a mais comum.
As imagens de decapitações, porém, se espalham pelo estado. Em junho do ano passado, o jovem Rômulo Valiengo Garcia, de 25 anos, estava desaparecido quando o pai dele recebeu no WhatsApp um vídeo com imagens chocantes. Era o filho sendo torturado, decapitado e esquartejado, supostamente por traficante da favela do Rola, em Santa Cruz, Zona Oeste da capital.
O rapaz era morador de outra comunidade, o Cesarão, então dominada por milicianos. A família supôs que ele poderia ter sido morto porque os traficantes encontraram no celular dele fotos do rapaz em festas promovidas pelos paramilitares na região.
NO RIO, PREOCUPAÇÃO EM MATAR
Um mês depois, outro vídeo mostrou um suposto miliciano da Carobinha, em Campo Grande, também na Zona Oeste, sendo torturado e decapitado por traficantes. Antes de ser morto, as imagens exibiram o homem ainda vivo, obrigado a falar para a câmera com uma chupeta na boca.
Nos presídios fluminenses, as decapitações acontecem desde 2003, segundo o coordenador do núcleo do sistema penitenciário da Defensoria Pública do Rio, Marlon Barcellos. No entanto, são diferentes das cenas de Manaus:
— A morte sempre é violenta, porque são os instrumentos que os presos têm. Porém, não são tão violentas a ponto de tentar transformar a morte num instrumento simbólico. Normalmente, se preocupa em matar, não em enviar mensagem.
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