Instituições de investigação do Ceará reúnem, há
mais de um mês, indícios de irregularidades contra gestores públicos
municipais que usam a brecha da situação de emergência na saúde para
fazer compras sem licitação. Com a pandemia da Covid-19, doença
provocada pelo novo coronavírus, a Assembleia Legislativa reconheceu a
situação de calamidade pública para mais de 160 prefeituras e também
para o Governo do Estado.
Esse tipo de demanda dos gestores tem crescido em razão do aumento no
número de casos de infectados pela doença e da necessidade de compras
rápidas de insumos hospitalares e equipamentos de saúde. Nessa condição
de calamidade, prefeituras e Governo do Estado podem gastar mais do que o
limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sem
sofrer punições.
Já a situação de emergência permite que prefeitos formalizem
contratações sem a necessidade da burocracia da licitação. É nesse ponto
que surge a polêmica. Nos últimos dias, denúncias de que prefeitos
estariam usando o dinheiro público, que chegou ao caixa das prefeituras
de repasse federal, de forma irregular ganharam as redes sociais.
O cenário de pré-campanha eleitoral, principalmente no interior do
Estado, tem alimentado as denúncias que chegam com maior recorrência em
mensagens de texto nos telefones de membros do Ministério Público do
Estado do Ceará (MPCE). "Eu verificando que aquilo tem consistência, ou
estando na dúvida, mando abrir o procedimento. A gente vai atrás dos
elementos que possam confirmar ou desmentir aquilo", explica a
coordenadora da Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública
(Procap), a procuradora de Justiça Vanja Fontenele.
Crescimento
De acordo com ela, o volume de denúncias cresceu nas últimas semanas,
muitos delas envolvendo compras relacionadas à pandemia do novo
coronavírus. Vanja explica que, mesmo que as denúncias tenham motivação
política, não é possível "desqualificar a demanda por esse motivo".
Todos os casos, segundo ela, são passíveis de investigação.
O Ministério Público criou um grupo de trabalho para melhor
identificar possíveis irregularidades. O Centro de Apoio Operacional da
Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP)
repassou a todas as promotorias de Justiça do Patrimônio Público do
Ceará informações e modelos de atuação com o objetivo de instaurem
investigações que envolvem a questão. Ao menos 19 promotorias de Justiça
comunicaram abertura de Procedimento Administrativo até a última
quinta-feira (23).
O Grupo Especial de Combate à Corrupção (Gecoc) passou a integrar o
Grupo de Trabalho com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) para
monitorar e qualificar as despesas publicadas pelo Governo do Estado e
pelos municípios, com objetivo de verificar a transparência dos gastos e
a possível existência de indícios de irregularidades.
Contas
Responsável pela fiscalização dos gastos públicos no Estado, o
Tribunal de Contas do Ceará também criou um Grupo de Trabalho para
identificar com maior eficiência os valores que possam estar sendo
gastos de modo irregular, conforme denúncias que circulam nas redes
sociais.
De acordo com o secretário de Controle Externo do TCE Ceará, Carlos
Nascimento, a Corte de Contas tem realizado a coleta de informações.
Gestores são obrigados a cumprir prazos e prestar contas de como o
recurso está sendo utilizado. Através dos portais da transparência
municipais e do próprio sistema do TCE, os técnicos têm condições de
fazer o levantamento.
"De posse dessas informações, é possível que as equipes façam um
acompanhamento da execução dessas despesas. Fazer comparações, verificar
preços praticados e entender a necessidade de várias compras", explica
Nascimento. Nas etapas seguintes, o Tribunal vai identificar as
movimentações mais suspeitas de fraude para investigar com mais cuidado.
Diante das críticas da condição dos municípios, pela situação de
calamidade pública, e de compra sem licitação, o secretário de Controle
Externo do TCE ressalta que o cenário de pandemia não exclui as
investigações, e que a Corte permanece, mesmo que remotamente, de olho
em indícios de irregularidades.
"A fiscalização continua em curso, embora haja medidas que precisamos
cumprir em relação ao distanciamento. Essa obrigatoriedade do gestor é
importante, porque a gente continua fazendo a fiscalização. Tudo o que a
gente faz é pautado nos dados que o gestor disponibiliza. Não é porque
há uma excepcionalidade que as regras deixam de existir. Houve uma
flexibilização para facilitar o atendimento à população. A
flexibilização faz com que o gestor atenda à população de uma forma
ainda mais rápida, mas o recurso público continua acima de qualquer
flexibilização", pontua o secretário.
Recomendações
No início deste mês, a Associação dos Municípios do Estado do Ceará
(Aprece) encaminhou aos prefeitos cearenses orientações quanto ao
decreto de estado de calamidade. No documento, a entidade explicou a
motivação para a solicitação e como cada gestor municipal deveria se
comportar diante das compras em um cenário atípico.
Presidente da Associação, Nilson Diniz afirma que a situação de
calamidade tranquiliza a rotina dos prefeitos na condução da crise. Ele
explica que em muitos casos haverá o gasto acima do permitido com
pessoal em razão da queda na arrecadação. A possibilidade de gastar mais
sem sofrer punição é uma das garantias de que haverá menos dificuldades
para lidar com a crise na saúde no interior.
Segundo Diniz, que é prefeito do município de Cedro, todos os
gestores foram orientados a criar uma aba no site institucional das
prefeituras para direcionar com mais transparência os gastos com a
Covid-19. Nela, os órgãos de controle das despesas terão maior
facilidade para identificar como o prefeito ou a prefeita fez uso do
dinheiro público.
Repasses federais
Expressiva parte dos recursos que gestores no interior estão
utilizando para enfrentar a crise na saúde vem do Governo Federal. São
repasses anunciados pelo Palácio do Planalto para socorrer
administrações que não conseguem custear a saúde em meio à crise.
O superintendente da Controladoria Geral da União no Ceará, Giovanni
Pacelli, adianta que o órgão no Estado está participando de uma parceria
com o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal de Contas do Ceará
para a montagem de um banco de dados único para as investigações.
Ele explica que a fonte de entrada dessas informações será o portal
de licitações do TCE, e que caso seja detectada alguma ocorrência haverá
uma análise daquele caso de forma mais aprofundada. "Os municípios já
têm obrigação de enviar para o portal do TCE todas as licitações e
dispensas. Assim, nesse momento, ao invés da CGU ser mais um órgão
cobrando a mesma informação, queremos que os municípios cumpram a regra.
E como temos acordo de cooperação com o TCE, vamos usar a mesma base",
diz Pacelli.
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