Cearenses em estados atingidos pela pandemia relatam dificuldades

Em poucos dias, a quarentena se tornou uma realidade em todo o Brasil. De casa ou atuando na linha de frente, cearenses que estão longe de sua terra natal relatam o caos nos estados mais atingidos do País. Em São Paulo há quatro anos, a pneumologista Roberta Lisboa tem passado dias preocupada com o Estado em que reside e com o de sua origem.

"Se formos comparar, o Ceará tem menos leitos por habitante. O sistema de saúde em São Paulo funciona melhor que o do Ceará", diz.

Roberta também pontua a situação do interior. "Há cidades que são extremamente precárias, só com Unidades Básicas, até tem hospitais, mas na maioria das vezes, apenas um médico para consultar adulto, criança e gestante".

"É bem preocupante o modo que essa pandemia vai evoluir no Ceará", completa.
Atuando na linha de frente para o combate à Covid-19, ela conta que as equipes foram triplicadas. "As equipes que antes tinham cinco profissionais tiveram que ser triplicadas. A gente não para, nossos colegas vão ficando doentes, e temos que cobrir eles".

A médica confirma que uma das maiores dificuldades é a desinformação disseminada quanto ao assunto. "Muitas coisas são eficientes num laboratório, mas são incompatíveis com o tratamento num ser humano".

"A propagação de inverdades e a pressão sobre os médicos têm nos preocupado muito. O único tratamento que a gente tem certeza que é eficaz é dar um bom suporte ao paciente", ressalta. Roberta afirma que a necessidade dos países de se autossuprirem na produção de insumos para a saúde precisa ser revista, pois muitos países estão "sendo obrigados a comprar por preços maiores que outros".
A pneumologista teve os planos de vir ao Ceará adiados. "O maior medo é, indiscutivelmente, meus familiares se contaminarem e eu não poder estar perto deles. É difícil me manter aqui com o coração tranquilo", diz. "Nós precisamos que todos adquiram uma consciência coletiva pra sairmos dessa", conclui.

Emprego
Gerlene Marinho vive em São Paulo há 26 anos, é auxiliar de cozinha em um hipermercado, afastada do cargo por fazer parte do grupo de risco. Ela teme pelo emprego. "O emprego de muita gente está em perigo, inclusive o meu. A produção do hipermercado que trabalho caiu muito".
Por causa da pandemia, as férias da auxiliar de cozinha foram antecipadas, e seu plano de vir ao Ceará foi adiado.

"Todos os anos eu vou ao Ceará. Ia em outubro, que eram minhas férias, mas foram antecipadas para maio e não vou poder ir". Morando na zona norte da capital paulista, ela relata que no seu bairro as pessoas não estão levando a sério. "Tem muitas pessoas que não estão nem aí, a maioria sem máscaras. Na esquina da minha rua tem um bar que está abrindo normalmente".
Longe da família, Gerlene revela sua maior preocupação. "Fico muito apreensiva porque minha mãe é idosa e meus irmãos são diabéticos, todos da área de risco".

Manaus
No Amazonas, a saúde está em colapso e há um recorde de enterros. Iara Avelino, publicitária que foi transferida para Manaus há 3 meses, se preocupa com o problema no Estado. "A gente sempre escuta de pessoas que moram aqui há muito tempo que o sistema de saúde não iria aguentar".
Além da saúde dos familiares no Ceará, a publicitária também fica apreensiva com os amigos de Manaus. "Acabo tendo uma preocupação dobrada". Apesar do momento ser difícil, ela revela um lado bom. "Estou me descobrindo, aprendendo coisas novas e lidando com emoções totalmente diferentes. Também por isso, não pretendo voltar ao Ceará".

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Jade Saldanha, estudante de Medicina no Amazonas Foto: Arquivo pessoal
Jade Saldanha, estudante de Medicina desde 2016 em Manaus, confirma as suspeições de Iara quanto ao sistema de saúde do Estado. "Durante estágio em um hospital da rede pública, antes dos casos confirmados, nos deram máscaras N95 e pediram que não houvessem desperdícios, pois já estavam com pouco estoque".

Jade reflete sobre as dificuldades dos profissionais de saúde no Estado. "Outro fator que agrava a situação são os atrasos salariais". Quanto às cidades do interior, a universitária revela que "não existem políticas públicas para que os profissionais possam se estabelecer no interior, dificultando o acesso dessa população aos serviços de saúde".

O Amazonas tem uma peculiaridade quanto à mobilidade, onde boa parte do transporte é feita por vias fluviais, o que também se torna um problema. "Muitas ações em saúde dependem do regime das águas. Quando o rio se encontra mais seco, dificulta a chegada às regiões que, no período de cheia, poderiam ter acesso facilitado", diz.

Ela voltou para o Ceará no início da pandemia, principalmente pelo desgaste psicológico. "A situação em outros países me deixou muito assustada quanto aos impactos psicológicos. Estar em casa com minha família foi a melhor maneira que encontrei para enfrentar esse período".

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Adriano de Lavor, jornalista e pesquisador da Fiocruz no Rio de Janeiro Foto: Arquivo pessoal
Residindo na cidade do Rio de Janeiro desde 2005, Adriano de Lavor, jornalista e pesquisador em comunicação e saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um dos principais órgãos de enfrentamento do Governo à pandemia, revela que não tinha noção da gravidade do problema.
"Antes do Carnaval, tivemos uma capacitação com pesquisadores, nos alertando de que essa possível epidemia chegaria aqui. Não tínhamos noção da gravidade que ela iria tomar", conta.

Uma das maiores preocupações do pesquisador é a descrença da população à ciência. "Por mais que você diga que entrevistou cientista, que tem informações de uma instituição de pesquisa, há pessoas que questionam essas informações científicas como se a ciência fosse validada com uma questão de opinião".

Adriano revela que as histórias lhe sensibilizam mais. "Já tenho conhecidos que morreram por conta dessa doença. Quando deixo de acompanhar estatísticas, notícias e prognósticos científicos, passo a me concentrar nas histórias humanas, me sensibilizo mais", afirma.
Pernambuco

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Manoel Menezes, estudante de educação física em Pernambuco Foto: Arquivo pessoal
Já Manoel Menezes, cearense de Limoeiro do Norte e estudante de Educação física em Recife (PE) há três anos, tem sua maior aflição voltada para o interior.

"Fortaleza possui muitos moradores oriundos do interior, numa situação como essa, eles voltam para suas cidades", reflete. Quanto à preocupação com o estado em que reside, Manoel pontua "a negligência das pessoas quanto às medidas da quarentena".

Os pais do estudante ainda residem na cidade cearense, que também já foi afetada pelo coronavírus. "Fico muito preocupado. Ambos têm idade avançada", diz.

"Eu vejo a rotina das pessoas de lá pelas redes sociais, percebo que não entenderam a gravidade da situação, mesmo com casos confirmados na cidade", completa.

As dificuldades acadêmicas também surgiram para o universitário. "Não estamos com aulas presenciais, muito menos EAD, e não temos uma posição da reitoria. Eu ia me formar no fim do ano, mas já estou incerto, isso vai me deixando muito aflito".

Fonte, DN

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