Alunos, pais, professores e gestores vivem, com a flexibilização do isolamento social, a expectativa de uma possível reabertura das escolas
privadas no Ceará e, embora debates e reuniões estejam em curso, seguem
com diferentes questionamentos: como serão as escolas agora? Quais
mudanças cada agente deve encontrar e quais comportamentos esperar?
Instituições como as secretarias da rede pública e o Sindicato dos
Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe) traçam, agora,
diretrizes com orientações práticas relacionadas ao distanciamento
social, higienização dos espaços, realocação dos funcionários no grupo
de risco, além da reposição de aulas nos contra turnos e aos sábados.
No cenário que desafia gestores da Educação em todo o País, o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) lançou, nesta
semana, um guia com novos procedimentos sanitários e
pedagógicos. Secretários da Educação de 13 estados brasileiros, com
representante do Ceará, definiram que a reabertura das escolas deve
considerar três fatores: infraestrutura e recursos, continuidade da aprendizagem e capacidade de análise da crise sanitária.
"A escola que crianças e adolescentes vão encontrar, infelizmente,
não será muito diferente da que se tem hoje, pois mudanças em educação
demandam tempo e investimentos em recursos humanos, materiais e
infraestrutura", opina Rui Aguiar, coordenador do escritório do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Ceará.
A entidade foi uma das consultadas para a elaboração da cartilha. Ele
explica que o documento é uma diretriz e que a adoção das orientações
depende da legislação e política educacional de cada região.
Análise
Andréa Nogueira, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe), reflete que a experiência dos primeiros setores
com autorização para o retorno das atividades ajudam a analisar o
cenário das escolas privadas. Com as aulas e exercícios virtuais, os
estudantes conseguem dar continuidade ao planejamento acadêmico, mas
pode ser necessário realizar ajustes na volta às atividades in loco. "Se
alguma escola observar que a carga horária não está sendo cumprida, ela
vai fazer uma readequação do calendário escolar realizando, sim, aulas
aos sábados e nos contra turnos de modo que tenha o cumprimento total da
carga horária exigida".
O Sinepe ainda aguarda uma posição do Governo do Estado para saber qual órgão deve fazer a fiscalização da efetividade das orientações
nas escolas. Os procedimentos serão encaminhados aos pais por meio dos
sites e redes sociais, como frisa a presidente do Sindicato. "Na
primeira semana de aula, as escolas estarão promovendo seminários com
alunos, pais e professores, explicando a necessidade das medidas de
segurança, como distanciamento social", acrescenta. Entre os ajustes,
serão instaladas rotas de sinalização no chão, distanciamento entre
pessoas em torno de 1,5m a 2m, revezamento no horário de entrada, de
saída e nos recreios, bem como a desativação dos bebedouros.
Além dos procedimentos para evitar a propagação do SARS-Cov-2, os
professores e servidores enquadrados no grupo de risco da doença devem
receber atenção especial. "A escola oferecerá opção a esses funcionário
como, por exemplo, o teletrabalho ou modificará as responsabilidades,
encaminhando para os trabalhos que limitam o risco de exposição",
explica a representante.
Os estudantes e funcionários das escolas particulares diagnosticados
com a infecção pelo novo coronavírus devem ser registrados pelas
instituições para que seja feita notificação aos órgãos de saúde.
Fortaleza
Nas escolas municipais, como informou a Secretaria da Educação de
Fortaleza (SME), já existe um Grupo de Trabalho com especialistas para a
elaboração do plano de retorno das aulas, mas ainda não foi repassada a
data de conclusão do documento.
"O plano a ser apresentado seguirá rigorosamente as medidas de
segurança orientadas pelo Governo do Estado, pela Prefeitura de
Fortaleza e autoridades sanitárias, além da interlocução com a categoria
profissional da educação", acrescentou a SME em nota.
As escolas estaduais ainda não possuem data precisa para o começo dos
encontros presenciais e ainda planejam como será o procedimento
adotado, de acordo com a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). "Para
isso, está ouvindo todas as pessoas e instituições envolvidas no
processo para uma retomada coerente e segura, respeitando as normas
sanitárias orientadas pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará",
destaca em nota. Experiências e protocolos adotados por outros estados e
compartilhados por meio do Consed também devem ser levados em conta.
Fica indicada, na cartilha do Consed, a criação de um comitê com
especialistas das áreas da Educação, Saúde e Assistência Social para
avaliar o cenário das instituições de ensino. Além disso, o grupo indica
a realização do levantamento dos funcionários do grupo de risco à
Covid-19, como idosos e com doenças crônicas, para o trabalho remoto.
Cenário
Edivânia Marques, formada em Geografia, ministra a disciplina de
"Projeto de Vida" em uma escola pública do Bom Jardim, onde é feita
mediação com os estudantes sobre as perspectivas de futuro. "Nas
periferias as escolas são luz, são espaço de convivência e cumprem essas
múltiplas funções do Estado. Nesse período, tenho recebido ligações de
estudantes relatando pânico, dificuldades financeiras, todo dia quando
mando atividade recebo esse tipo de retorno", comenta.
Antes da chegada do novo coronavírus, as salas eram configuradas com
mesas em duplas de estudantes, com 35 a 40 pessoas no mesmo espaço.
Manter o distanciamento, assim, exige uma reavaliação dessa estrutura
para que os estudantes do setor público tenham menos disparidades em
relação ao ensino privado.
"O que muito nos preocupa enquanto educadores é a evasão escolar, a
gente tem de cumprir o calendário, gerar demanda para os estudantes, mas
não podemos abandoná-los. A gente precisa reavaliar o método para
absorção efetiva do conhecimento", sugere.
Construir avanços
Pensar no futuro da educação no mundo pós-pandemia, para Heulalia
Charalo Rafante, diretora da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Ceará (UFC), não pode ser independente da elaboração de
estratégias que ampliem a inclusão digital e social. Devido às
desigualdades vividas no País, alunos tiveram experiências distintas no
ano de 2020 e, com as mudanças que a Educação deve sofrer, é possível
que as irregularidades no nível de ensino se agravem. Segundo a
especialista, planejar o retorno às atividades escolares apenas como uma
"continuação" será prejudicial.
"Nós podemos ampliar o abismo e o retrocesso do direito à educação ou
podemos construir para avançar", diz ela. Heulalia defende que as
alternativas para esse período devem ser pensadas coletivamente, com
protagonismo dos principais agentes do ensino: professores e alunos. É
preciso, segundo ela, amplo diálogo com essas categorias para a
construção de novos caminhos.
A um passo do ano de preparação para o Enem, Alana Maria Tavares
Ribeiro, de 16 anos, aluna do segundo ano da Escola Professora Eudes
Veras, viu quase metade do ano escolar ser tomado pela pandemia do novo
coronavírus. Estudando em casa, conta sentir saudade da escola e têm
incertezas quanto ao nível de aprendizado que conseguiu ter com o ensino
a distância. "Eu poderia ter aprendido várias coisas que eu não
consegui. Mais lá na frente talvez seja uma dificuldade, tipo na prova
do Enem ou mesmo em outras provas que eu for fazer".
Por ter diabetes tipo I, a menina teme pela saúde com o retorno às
aulas, já que é grupo de risco para o coronavírus. Alana acredita que
deverá tomar mais cuidados e não pensa na possibilidade de não poder ir à
escola por causa de sua condição. Ela acha que apresentações e feiras
escolares que gostava de participar não vão mais ser possíveis, devido
às aglomerações. Mesmo com essas mudanças e inseguranças, a estudante
anseia voltar ao convívio escolar.
Em um cenário em que seja possível investir na formação de alunos, no
âmbito social e digital, na integração da família no processo de
aprendizagem e na valorização dos profissionais de educação, o resultado
seria um avanço e um legado que ficaria para as próximas gerações de
alunos e professores.
No entanto, Heulalia analisa as atuais políticas públicas brasileiras
de educação como "excludentes e irresponsáveis pedagogicamente". Ela
acredita que apenas com forte pressão da população isso poderá ser
atingido. Além disso, a professora considera que recursos escassos da
Educação estadual e dos municípios do Ceará limitem ainda mais a
resposta dos governos às mudanças necessárias impostas pela pandemia.
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