A Polícia Federal (PF) e a Receita Federal desarticularam um esquema
criminoso de importação de produtos que, segundo investigação, existia
no Ceará há mais de uma década, com a deflagração, nessa quarta-feira (17), das operações Ásia 1 e Ásia 2.
Os dois supostos líderes do esquema, os empresários José Meireles
Teixeira Ponte e José Augusto Fernandes da Silva, foram presos
temporariamente, por determinação da 11ª Vara da Justiça Federal no
Ceará.
A reportagem apurou que José Meireles é proprietário da empresa de
comércio exterior Mutual International Representações LTDA., que,
conforme as investigações, movimentou R$ 2 milhões e recebeu pagamentos entre os anos de 2008 e 2010, mas não teria declarado os rendimentos ao Fisco Federal, nestes anos.
O empresário ainda é sócio de outras três empresas
do ramo, Taurus Comércio e Representações Ltda. ME, Líder Representações
Ltda. E Nativa Importação e Exportação LTDA., que, juntas da Mutual,
formam a Associação para a Cooperação e Desenvolvimento (ACD), com sedes
em Fortaleza, na China e nos Estados Unidos. Segundo as apurações da PF
e da Receita, a Líder e a Taurus também não declararam rendimentos
entre 2008 e 2011, apesar da movimentação financeira.
Enquanto a Nativa, que atuava desde 2008, tinha receita bruta zerada
até 2009 e declarou receita bruta de R$ 2,7 milhões em 2010 e de mais de
R$ 6 milhões em 2011, o que levantou a suspeita das autoridades.
Já José Augusto é proprietário da JM Aduaneira Serviços e Comércio
Ltda. ME, que seria, conforme as investigações, parceira da Mutual no
suposto esquema criminoso. De acordo com a investigação, a JM Aduaneira
apresentou movimentações de R$ 31 milhões em 2008, R$ 24 mi em 2009, R$
16 mi em 2010 e R$ 31 mi em 2011, mas teria declarado rendimentos
incompatíveis ao Fisco.
Automóveis luxuosos
Nesse período, de acordo com a investigação, José Augusto ainda
possuía uma coleção de veículos luxuosos: uma Ferrari 360 Modena F1, uma
Land Rover Range Rover Sport, uma Land Rover Evoque Dynamic, um Hyundai
Elantra GLS - além de cinco automóveis populares. Sendo que de todos os nove veículos, apenas o Hyundai era declarado oficialmente.
Segundo o superintendente da Receita Federal no Ceará, João Batista Barros, o esquema consistia no subfaturamento de mercadorias
(isto é, declaração de um valor menor ao Fisco), importadas
principalmente da China e dos Estados Unidos, e, depois, na remessa de
valores para o exterior, por doleiros e casas de câmbio, para pagar o
valor restante. Assim, os empresários pagavam menos impostos.
"O empresário está querendo importar um bem. A empresa oferecia o que
chamamos de 'pacote completo': 'eu tenho quem te forneça, uma empresa
do exterior (trading) que vai fazer essa negociação para exportação para
o Brasil, já com a documentação subfaturada, e uma trading no Brasil
vai receber essa importação e vai dar validade e vazão a isso'. Claro
que, se eu estou comprando um bem que vale 100 reais e estou pagando
apenas cerca de 30% desse valor pela via oficial, esses outros 70 reais a
empresa que exportou quer receber. E isso acontecia numa segunda etapa,
por meio sobretudo de doleiros, em que esse dinheiro saía, de pessoa
física para pessoa física", explica.
A investigação estima um prejuízo de R$ 500 milhões
aos cofres públicos - que pode chegar a R$ 700 milhões - devido à
sonegação de impostos. Enquanto mais de R$ 5 bilhões foram enviados para
contas no exterior, pelos investigados, segundo os órgãos oficiais. Os
principais clientes dessas empresas seriam pertencentes aos ramos
têxtil, de eletrodomésticos e de peças de motocicletas.
Operações
A investigação da Polícia Federal sobre as empresas de comércio
exterior começou em setembro de 2013, após o recebimento de relatórios
da Receita Federal que apontavam supostas irregularidades. Mas foi desmembrada em dois inquéritos,
devido a existência de dois núcleos empresariais, o que gerou as
operações Ásia 1 e Ásia 2. Mais de 130 policiais federais e 40 auditores
fiscais participaram do cumprimento dos mandados judiciais.
Na 'Ásia 1', foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão (oito
em residências de pessoas físicas e sete, em empresas), nos municípios
de Fortaleza, Eusébio e São Gonçalo do Amarante. Na 'Ásia 2', além dos
dois mandados de prisão, foram cumpridos 20 mandados de busca e
apreensão, em Fortaleza e São Gonçalo do Amarante.
Os mandados foram cumpridos em imóveis de luxo, nos bairros Meireles,
Aldeota, Engenheiro Luciano Cavalcante e Cajazeiras, no condomínio
Alphaville Fortaleza e até em uma sala do Terminal Portuário do Pecém. A
Justiça ainda determinou a apreensão de veículos dos investigados,
cujos valores, cada, ultrapassam R$ 100 mil.
Pelo menos oito pessoas são investigadas por participar do suposto
esquema criminoso, entre empresários, consultores de comércio exterior e
despachantes aduaneiros. Elas são suspeitas de crimes contra a ordem
tributária, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal,
associação criminosa, falsidade ideológica e descaminho.
A prisão dos supostos líderes foi deferida pela Justiça Federal para
não atrapalhar as investigações. Mas outros suspeitos podem vir a ser
presos, segundo o delegado regional de Combate ao Crime Organizado da
Polícia Federal, Paulo Henrique de Oliveira Rocha.
Outro lado
O advogado Leandro Vasques, que representa alguns investigados,
inclusive um dos presos, afirmou que está se inteirando do conteúdo do
inquérito, que remete a fatos antigos. "Vamos avaliar se há
contemporaneidade que justifiquem essas prisões. Nosso cliente está
colaborativo, é primário, ostenta exemplares antecedentes, possui morada
fixa e atividade lícita. O certo é que ainda hoje pretendemos manejar o
pedido de liberdade. Quantos aos demais, sofreram apenas busca e
apreensão. Vamos aguardar o avançar da marcha investigativa para
desenharmos a tese defensiva", pontuou, sem dar mais detalhes sobre o
processo, que corre sob sigilo.
Já o advogado Jeová Costa Lima Neto, que representa outro
investigado, alega que o cliente, por função, "é apenas um mandatário do
importador e do exportador". "Fica claro que ele não tem qualquer tipo
de responsabilidade sobre eventual autenticidade ou falsidade de
qualquer informação que é passada pelo cliente", completa. A reportagem
não conseguiu contato com a defesa dos demais alvos da operação.
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